sábado, 6 de novembro de 2010

“A Triste História de Robert - IV”

Na tardinha deste mesmo dia ensolarado, todos estavam na casa de madeira, já era noite, a luz da lua adentrara a casa, clareando a mesma, com uma linda cor branca de nata! O vento frio da noite balançando-ia as folhas secas das árvores, enquanto as estrelas brilhavam mansamente. Mesmo com a chegada tímida da noite, parte do céu se fazia laranja, com a já enfraquecida luz do Sol que ia morrendo aos poucos.

Do lado de fora da propriedade, o Velho separava galhos secos para atear fogo, porque aquela região montanhosa faz muito frio à noite. Enquanto isso, dentro da casinha, Nayá fazendo-ia chá de ervas, enquanto Robert lia ao canto da parede um livro de Literatura Portuguesa. Com dor nos olhos, resolveu pousar no livro na pequena mesa de centro; e retirou-se da casa, para respirar o ar da noite com o Velho, que pusera nas luminosas brasas milhos para assar.

Mesmo com o frio a noite era muito agradável, era possível ver claramente as estrelas brilharem constantemente; e os luminosos vaga lumes que passeavam na mata.
Na porta da forte casa de madeira, Nayá surge com um bule de chá e três xícaras portuguesas, trazidas pelo Velho de Lisboa:

-O cheiro está muito agradável Nayá – disse Robert.

-Não é só o cheiro, Nayá sabe fazer chá – disse o Velho sorrindo com o rosto iluminado pelas chamas rasteiras da pequena fogueira.

-Obrigada Robert – disse Nayá com um largo sorriso, enquanto o Velho olhava as brasas faiscando.
O cheiro do chá de hortelã exalava-se no ar!
Deliciando-se do saboroso líquido sagrado, Robert fala docemente:

-Nayá, este chá está delicioso!

-Obrigada. Quer um pouco mais?

-Sim – disse Robert passando a mão na testa para jogar a franja dos seus cabelos aloirados para trás.

-Eu também quero um pouco mais – disse João verificando o milho nas brasas.

-Está bem – disse a pequena para ambos.

Robert olhava João mexendo nas brasas com um galho seco de goiabeira, enquanto Nayá os servia mais uma vez com o chá. As chamas lhe trouxeram lembranças de tempos de outrora, quando em criança presenciou dezenas de brutalidades cometidas pelos homens. Calou-se de ante a fogueira, que os iluminavam e aqueciam naquela noite fria. Nayá e João viram o rapaz calado; com os olhos cor de céu abertos, cravados na fogueira. Estranhando a atitude do rapaz, o Velho lhe pergunta:

-O que há Robert?

O rapaz olhou-o calmamente, e em seguida, disse-lhe calmamente:
-São essas chamas.

-As chamas? Que têm elas?

-Me trazem más recordações!

-Como assim? – perguntou Nayá.

-São lembranças do Paraíso das Águas!

-Ah sim! – observou João.

-Quando lá vivia com meus pais, isso ainda quando tinha apenas sete anos; via muitas pessoas sendo queimadas vivas! Nunca consegui compreender aquele povo! Por que há tanta maldade no coração dos homens?

-É a ganância filho! Como sabemos, há ouro em abundância no Paraíso das Águas. É abriga pelo ouro! Desde o inicio, os portugueses vieram com essa intenção.

-É verdade João – disse Robert – mas, meus pais foram mortos injustamente.

-Como assim? – perguntou Nayá.

-Robert nos conte essa história – disse João.

-Sim senhor.

Antes de iniciar a história tomou um pouco mais de chá para aquecer o corpo, pousou a xícara na grama, e começou contá-la detalhadamente:

“Quando chegamos ao Brasil, ficamos encantados com as belezas naturais! Lembro-me perfeitamente que era levado ao colo da minha bela mãe, que nunca me deixava só. Meu pai, um homem de coragem e saúde nos protegia de todas as formas; contra tudo e contra todos, porque não conhecia o território brasileiro. Porém, quando viu as belas árvores e os animais da região, mudou completamente de idéia. Tínhamos um único objetivo: morar no Brasil”.

“Vivíamos numa enorme região verde e florida, bem próxima ao Paraíso das Águas, com outras famílias portuguesas e brasileiras que viviam da colheita. A terra daquele local era fértil, muito boa para o plantio; era bem macia e solta. Mesmo com os meus sete anos de idade já trabalhava na colheita com papai, enquanto mamãe colhia frutas e legumes na horta. Como não havia escolas naquele local, recorríamos às igrejas, para aprendermos todos os ensinamentos divinos e básicos da educação. Até hoje não me esqueço dos ensinamentos do padre Rocha, que me ensinou passo a passo os caminhos da vida, após a morte dos meus pais”.

“contar-vos-ei agora a última vez que vi meus pais. Estávamos na estação das flores, vendo o bailar dos pássaros nas enormes montanhas esverdeadas que tocavam as nuvens cor de nata nas alturas infindas! Passeávamos juntos naquele dia lindo de Sol, em direção ao lago de água transparente. Pousamos o corpo na grama; e ficamos a olhar para o lindo céu azul, que estava completamente limpo! Com a cabeça encostada aos seios de minha amada mãe, dormia tranquilamente; enquanto papai estava à beira do lago a pescar. Estava feliz por estar vivendo cada dia que se passava, e olhava para o céu e agradecia mais uma vez a Deus, por proteger a mim e minha família. Estava muito feliz!”

“Voltávamos do lago pelo mesmo caminho florido do qual viemos, quando surgiram homens armados, a nos interceptar. Mamãe correra para me proteger, meu pai apenas olhava os homens assustado; sem reação alguma. Um deles aproximou-se lentamente e disse: “Vocês são traidores, sabemos muito bem que vocês ajudaram os holandeses a localizar o Paraíso das Águas”. Meu pai e minha mãe ficaram surpresos com as falsas acusações, tentaram argumentar dizendo para os homens que eram apenas uma pequena família de agricultores, mas, nem este argumento fora o suficiente para salvá-los. Com os olhos afogados em lágrimas, mamãe beijara-me pela última vez, e disse que partiria para sempre; pediu que eu procurasse o padre Rocha, para cuidar de mim. levaram meus pais para serem executados no Paraíso das Águas. Essa é a última lembrança que tenho dos meus amados pais”.

“Procurei o Padre Rocha assim como mamãe me pedira, expliquei o pouco que podia explicar porque eu era um menino de sete anos, e não tinha condições de explicar detalhadamente. Porém, um agricultor que estava escondido atrás dos arbustos viu toda a cena, e contou ao padre Rocha o que acontecera de fato. Via o pobre homem chorar de joelhos diante do padre que o olhava triste, vendo um homem se lamentar de não poder ajudar meus pais que foram levados por serem supostos espiões holandeses”.

“Estava sentado no banco da igreja defronte a imagem de Jesus Cristo, quando o padre Rocha pousou sua mão em meu rosto e disse: “filho, vamos rezar pelas almas dos seus pais”. Eu não sabia rezar, apenas fechei os olhos e pedi em vão para que os meus pais voltassem”.

“Após este lamentável acontecimento fui educado pelo padre Rocha, que me guiara tirando-me do “caminho” do mau; e conduzindo-me corretamente no caminho de Deus! Aprendi as lições divinas, a cultivar flores, e entender o mundo. Se há um homem na Terra além de Deus, a quem devo ser eternamente grato; esse homem é o padre Rocha, que cuidou de mim como um filho”.

Robert chorou, e continuou o restante da história:

“Eu começava a alegrar-me novamente para vida! Sorria para natureza, corria com os animais e brincava com as crianças dos vilarejos próximos! Estava recuperando a alegria de viver, conhecendo o mundo!”

“Em uma noite chuvosa e assustadora, trovões caíam a todo tempo. Estava na igreja com padre Rocha, vendo o tremular das chamas das velas nos lustres dourados, enquanto o padre lia a bíblia defronte a imagem de Jesus Cristo. Como o vento que vinha de fora era forte fechei a porta lateral para que as chamas das velas não fossem apagadas”.

“Quando voltava da porta lateral, tive uma terrível visão: vi o padre Rocha caído de bruços, junto de si a bíblia sagrada, a sua fiel companheira de muitos e muitos anos. Corri para socorrê-lo da maneira que pude; mas, pedira-me apenas que eu tocasse o sino da igreja, porque Jesus lhe chamava. Antes de fechar os olhos me dissera pela última vez: ‘sejas forte filho, onde eu estiver, cuidarei de ti’. E fechou os olhos sorrindo para mim, para nunca mais abri-los novamente. Minhas lágrimas despencaram caindo violentamente em seu rosto, que parecia feliz mesmo estando morto: morrera diante dos meus olhos”.

“Toquei o sino como me pedira, e logo a pequena cidade soubera da morte do padre Fernando Rocha Santos, o homem que me criou como um pai deixava-me para sempre”.

“Após a morte do padre Rocha, não tinha mais a quem recorrer. Passei a viajar pelas terras brasileiras em busca de paz, procurando o amor de alguém para acalantar-me, procurando uma família para ser amado; porém, não encontrara nada”.

“Andava pelo litoral a procura de paz, a olhar para as ondas enormes que vinham gigantescas do extenso oceano. Parei defronte ao mesmo, a olhar as nuvens passando por baixo do Sol, formando uma enorme sombra cá embaixo na Terra! Levantei-me rapidamente a continuar procurando a paz infinita!”

“No final do dia o Sol estava fraco, havia apenas uma fraca luz laranja atrás das gigantescas montanhas, que era “levada” pela escuridão da noite outonal”.
“Como a luz da Lua era forte, podia caminhar tranquilamente durante a noite, já que o litoral era ‘infinito’. Ainda seguia caminho, quando vi homens armados com espadas e armas de fogo. Tentei esconder-me, mas, não fora possível, porque a luz da Lua mostrava-me claramente”.

“Um deles, olhando-me com muito ódio perguntou: “de onde você vem garoto?”Fiquei calado, não sabia o que responder, e apontando-me para mim a ponta de sua espada afiadíssima, perguntou-me mais uma vez: “eu perguntei de onde você vem garoto!”E cortou-me o rosto fazendo-me sentir a dor pela primeira vez. Gritei desesperadamente com o rosto ensangüentado, pedindo para que ele parasse. Um dos homens deteve-o para que não me matasse, disse para ele que eu era apenas uma criança; que me levasse até o Paraíso das Águas, que no dia seguinte descobririam tudo sobre mim.”

“Foi assim que conheci o Paraíso das Águas, quando procurava paz, mas, acabei encontrando o que antes não conhecia: a violência dos homens. Na manhã seguinte, contei como vivia na igreja com o padre Rocha, cuidando dos campos, dos animais, limpando a igreja e cooperando com as demais pessoas da região”.

“Quando falei dos meus pais, passaram a me odiar para sempre. Diziam que eu era filho de traidores; afastaram as demais crianças do Paraíso das Águas de mim, acusando-me de ser “má influencia”; logo todo povo da região passou a odiar-me. Tentei ainda conhecer as pessoas da região, mas, todas elas me renegavam! Fiz coisas boas para tentar ser aceito por todos, porém, não fora o suficiente”.

“Passei a conviver frequentemente com a solidão, que fora por um longo tempo minha fiel companheira. Meu coração sangrava frequentemente, porque não tinha com quem conversar”.

-Que coisa horrível! – dissera Nayá em prantos ao colo de João que também chorava.

“Resolvi sair do Paraíso das Águas, em busca de uma nova família, caminhando por dias e dias pelas imensas florestas; até vocês me encontrarem. Tive medo contar a vocês a minha história, com medo de ser mais uma vez renegado”.

Robert pusera as mãos no rosto a soluçar, lembrando da sua triste história, em que vivera em tempos de outrora.

Aproximando-se de Robert, João lhe dissera:

-Robert, você agora está vivendo conosco; sua vida mudará a partir de agora.

-Obrigado João – disse Robert agradecendo-o emocionado.

As chamas da fogueira já estavam apagadas, mas as brasas permaneciam acesas, porém, bem fraquinhas.

Ficaram um pouco mais a conversarem sobre as coisas do mundo, enquanto comiam o milho quentíssimo que acabara de ser retirado da brasa. Nayá contava suas aventuras nos tempos em que vivia com sua tribo indígena, mas, logo fora interrompida por João que prometera contar a Robert detalhadamente a história da pequena.

A névoa cobria o céu escuro da noite, enquanto os vaga-lumes voavam em plena noite sombria! Todos já estavam dormindo na propriedade, enquanto o mundo girava, preparando-se para o dia seguinte...